domingo, 29 de março de 2020

A pandemia do coronavírus e as repercussões no Direito de Família - Subtema de hoje: O ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA E O PAGAMENTO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA

Começarei pela conclusão: A pensão alimentícia não pode deixar de ser paga.

Os alimentos, quando considerados juridicamente, são as prestações a serem pagas para que quem as receba possa subsistir, isto é, realizar o direito à vida e de estar vivo dignamente, portanto, ao se falar em pensão alimentícia, deverão ser consideradas todas as necessidades do filho que a irá receber, e quando se fala em necessidades de um ser humano em desenvolvimento se estão considerando as despesas com a saúde, alimentação, vestuário, moradia, educação e lazer.

Uma vez fixados judicialmente o valor dos alimentos a serem prestados aos filhos, caso o devedor deixe de cumprir a sua obrigação, poderá ter decretada a sua prisão civil.

Diz-se que poderá (e não que deverá) diante da possibilidade constante da lei que regula essa matéria que o devedor terá, em regular processo de execução (ou cumprimento de sentença), de apresentar a sua justificativa, portanto, sendo desculpável e involuntário o não pagamento, não haverá a prisão civil do devedor, o que não significa que ele não deve, significa apenas que não será recolhido preso em estabelecimento prisional, afinal, existe também a possibilidade de penhora de bens para pagamento dos alimentos devidos e atualmente, até mesmo a possibilidade de prisão domiciliar, como demonstrarei abaixo.

Está sendo noticiado a todo instante que cidadãos do mundo todo estão vivendo dias atípicos diante da pandemia do coronavírus, o que acabou por gerar o decreto do estado de calamidade pública em quase todo o mundo e que ocasionou forte impacto nas finanças, especialmente (mas não só) daqueles trabalhadores que são autônomos.

Muitos pais e muitas mães não estão trabalhando, e sem renda ou com a renda sensivelmente reduzida, deixarão de pagar (ou reduzirão por sua própria conta) as pensões alimentícias, e uma vez inadimplentes, serão passíveis de serem executados.

Faço aqui um alerta: o bom senso é a melhor solução para os dias que estamos vivendo.

Esse bom senso consiste quanto a esta matéria (pagamento de pensão alimentícia) por exemplo, na realização de acordo entre os próprios pais, de redução (se necessário) dos alimentos por determinado período de tempo, porém fica um alerta, esse acordo, para ter validade jurídica deverá ser levado para homologação no Poder Judiciário através de um advogado, considerando os interesses de incapazes (crianças e adolescentes), caso contrário, não terá validade jurídica futuramente.

Evidentemente, muitos pretenderão fazer esses ajustes e não realizar essa homologação judicial, assim e de qualquer modo, havendo o não pagamento ou redução do pagamento com ou sem acordo entre os pais, futuramente será no Judiciário que haverá o embate desses direitos e princípios jurídicos, porém isso tudo pode ser evitado.

Em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito de Família, o doutrinador Rolf Madaleno, seu diretor nacional, ao comentar a soltura de um devedor de alimentos determinada pelo Juiz André Treddinick da 1ª Vara de Família do Fórum Regional de Leopoldina, no Rio de Janeiro, em virtude das condições do sistema prisional brasileiro sem condições de se impedir a disseminação viral ante o desrespeito às diretrizes básicas referentes à área mínima por preso, assim se posicionou:

“O que o juiz fez foi suspender a execução da pena de prisão civil. Afinal, mais vale um pai vivo, que eventualmente pode recuperar a obrigação alimentar ou voltar a ser preso, do que ter um pai morto que nunca mais poderá contribuir”, diz o jurista.

Fica evidente portanto, que o próprio Poder Judiciário está se adaptando a esse momento atípico onde todos são vítimas e que geraria o dever do decreto prisional e da manutenção da prisão do devedor no caso de inadimplência, inclusive, no dia 25/3 o Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino concedeu liminar para os devedores de alimentos presos no Ceará para cumprirem prisão domiciliar, e a pedido da Defensoria Pública da União no última dia 27, foi estendido referido habeas corpus coletivo aos presos por débitos de pensão alimentícia nos demais estados.

Reforço: suspender a prisão ou mantê-la porém transformando em prisão domiciliar não significa que não existirá mais o débito. O débito subsistirá.

Aliás, segundo o site jurídico JOTA, www.jota.info, “as condições para os devedores cumprirem a pena em prisão domiciliar e a duração da medida, entretanto, serão definidas por juízes estaduais levando em consideração as recomendações para redução do contágio.

Logo, a pensão alimentícia continuará sendo devida, e devido também será o bom senso para se evitar futuramente uma avalanche de execuções e de ações revisionais de alimentos que prolongarão o prejuízo de todos e em razão de um período em que todos são vítimas.


Aqueles que tiverem o dever de prestar alimentos portanto, honrem seus compromissos com seus filhos, e na hipótese de precisar ajustar o encargo alimentar, homologuem judicialmente para revestir de validade jurídica. Dialogar é necessário.

DANIELE WAHL DE ARAUJO E GIORNI, advogada no escritório Joel de Araujo Sociedade de Advogados - www.joeldearaujoadvogados.com.br - email para contato: danielewahl@hotmail.com

sexta-feira, 20 de março de 2020

A pandemia do coronavírus e as repercussões no Direito de Família - Subtema de hoje: IMPACTO NO DIREITO DE VISITAÇÃO


O cenário mundial de atenção e vigília em virtude da pandemia do coronavírus trouxe novos episódios ao tão delicado Direito de Família. Dentre eles, e merecedor de especial atenção, está o direito de visitação aos filhos, assim, o Poder Judiciário deverá estar atento, desperto e cuidadoso aos casos que nesse tema se apresentarem, afinal, diante da vivência de um momento totalmente atípico e em que devemos ficar isolados, em que devemos ficar dentro de casa, não há terreno para se alegar alienação parental por descumprimento de visitas ou alteração imotivada de cláusula de guarda unilateral e compartilhada.

O Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros direitos, o direito à vida e à saúde, como previsto no artigo 227 da Constituição Federal Brasileira.

Assegurar o direito à vida e à saúde de uma criança, de um adolescente e de um jovem, é garantir-lhe a máxima proteção.

É evidente que o convívio familiar é extremamente importante para o sadio desenvolvimento de uma criança, de um adolescente e de um jovem, porém enquanto vulneráveis há necessidade de se garantir a proteção em todos os aspectos, ou seja, física, moral, psíquica e  emocional, e para que isso aconteça de forma saudável, o diálogo entre os pais se torna essencial dadas as restrições vivenciadas, sob pena de se incidir em abuso de direito até mesmo.

É imperioso que os pais se ajudem, e especialmente os que estão separados. Os filhos devem entender, através do próprio genitor que detém a guarda, que o outro está se ausentando por motivo de saúde e de segurança para evitar uma contaminação, e o genitor que faria as visitas, deve se apresentar empático, sensível e solidário ao outro genitor em cada oportunidade de contato com seus filhos, contato esse que se sabe que será remoto como telefonemas, whatsapp, facetime, entre outros) contando aos filhos, que essa é decisão mais acertada. Deve existir responsabilidade acima de tudo, e garantir o bem estar emocional dos filhos, é garantir-lhes o desenvolvimento digno.

Alegações de alienação parental neste momento, sob o argumento de alteração não autorizada ou descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada, deverão ser analisadas com extremo rigor pelo Poder Judiciário, sendo que quem assim se portar estará incidindo em abuso de direito por exercer um ato que originariamente foi lícito, mas que agora se apresenta fora dos limites impostos de preservação da saúde da coletividade, afinal, não se estará diante de tentativas de comprometimento do convívio com o outro genitor, mas sim de precauções emitidas pelos órgãos responsáveis, e especialmente da saúde onde a convivência não é recomendada, portanto, alegações de alienação parental neste momento atípico vivido mundialmente, será litigar de má-fé, será abuso de direito, portanto, repita-se: deve existir responsabilidade acima de tudo.

Evidentemente, poder-se-á falar em alienação parental se também o contato remoto, ou seja, através de telefonemas, vídeo chamadas, whatsapp e etc., forem proibidos, até mesmo porque o genitor não guardião tem o direito de acompanhar os cuidados com os filhos que o genitor com quem reside, deverá tomar, portanto, repita-se: alegações de alienação parental nesse momento deverão ser analisadas com muito cuidado. 

Albert Einstein ensinou que a criatividade é a inteligência se divertindo. Pois bem. O momento está propício para a criatividade dentro do Direito de Família e de modo a garantir o sadio desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens enquanto seres humanos em desenvolvimento, assim, contatos via internet permitirão a manutenção dos laços de afetividade, bastando que os horários sejam ajustados entre os pais em razão da necessidade de adequação ao bem-estar dos filhos a essa nova realidade.

Faz coro e reforça o que foi dito neste artigo o caso prático que apresento abaixo e ao qual peço especial atenção de meus leitores por ter se tratado de fato juridicamente relevante relacionado ao direito de visitação nesse período de isolamento em virtude da pandemia do coronavírus e obtido no site CONJUR (http://www.conjur.com.br), datado de 13/03/2020:

“Um pai foi impedido de ver a filha após voltar de viagem à Colômbia, por determinação do desembargador José Rubens Queiroz Gomes, da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP. A mãe da menina entrou com ação alegando que a criança possui problemas respiratórios graves, o que a inclui no grupo de risco.

A solicitação da mãe havia sido negada em primeira instância, porém o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgando a questão em caráter liminar, considerou que “não haverá grande prejuízo se a criança permanecer mais nove dias sem ver o genitor”.

A decisão acolheu parecer do Ministério Público, que também apontou que o direito de conviver com a menina poderá ser novamente limitado caso ele apresente sintomas do coronavírus. Até esta quarta-feira (18), a Colômbia tem 75 casos confirmados.”

Ou seja, preservou-se o direito à vida e à saúde da criança em detrimento do direito de visitação do genitor que não morava com ela. Aplicou-se o princípio jurídico da proteção integral da criança e do adolescente e também o princípio jurídico do melhor interesse da criança. 

É dever dos pais proteger seus filhos, portanto, expor crianças, adolescentes e jovens a maiores consequências, especialmente aquelas relacionadas à não preservação da saúde não ponderando sequer aqueles casos em que os filhos possuem doenças respiratórias e que se forem contaminados pelo COVID-19 poderão até mesmo vir a óbito, demonstra atitude abusiva e deformação da hierarquia dos valores que o genitor possui, vez que evidentemente não se estará considerando o direito à vida e à saúde dos próprios filhos como prioritários, mas sim seu poder de impor a vontade à vontade do outro, fazendo um campo de batalha onde deveria ser terreno propício ao diálogo, à solidariedade, ao cuidado, ao zelo e ao respeito, valores essenciais para se apresentar de maneira prática às crianças, adolescentes e jovens.

Pais, respeitem seus filhos. Contem a eles que o momento é de preservação da vida e da saúde de todos, e que justamente por isso, respeitar a orientação de isolamento e sobrepô-la apenas por agora ao convívio com aquele genitor com quem ele não reside, é necessário para que todos fiquem bem e saudáveis, isso é ato de amor, de zelo, de consideração e respeito. Isso não é alienação parental. O momento é atípico, o que enseja atitudes igualmente atípicas. Pais, respeitem seus filhos.

DANIELE WAHL DE ARAUJO E GIORNI, advogada no escritório Joel de Araujo Sociedade de Advogados (htt://www.joeldearaujoadvogados.com.br), com escritório na Rua Tamandaré, 252, Vila Ferreira Leão, em Sorocaba/São Paulo. Email para contato: danielewahl@hotmail.com.