quinta-feira, 1 de novembro de 2012

NO DESAFIO DA VIDA, PODE ESTAR A MORTE*

(Maria Aparecida Wahl de Araujo, Psicóloga- CRP 06/69907 e Acupunturista)
 
O Dia de Finados, dia 2 de novembro é o dia que celebramos a passagem para a vida eterna de todos os falecidos porque acreditamos que se encontram em comunhão intima com Deus. No catolicismo esta data foi solenizada à partir  do ano 998 dC, por Santo Odílio, abade do mosteiro beneditino de Cluny na França, e trazido para o Brasil pelos portugueses. Segundo algumas fontes, a provável origem desta cerimônia remonta à da cultura celta que habitou o centro da Europa entre o II e o I milênios a.C.

O homem como ser mortal caracteriza-se por ter consciência de seu fim, o que não acontece com os animais que não têm essa consciência. “Não nos iludamos, pois o que buscamos não é a vida eterna, e sim a juventude eterna com seus prazeres, força, beleza e não a velhice com suas perdas, feiuras e dores.” (Kovacs).

Em cada cultura a morte é encarada de um modo: os ocidentais apresentam certa dificuldade para encarar essa passagem enquanto, os orientais, mais precisamente os budistas encaram a morte como o momento de máxima consciência (Kovacs), mas ao nascermos já estamos nos preparando para cumprir um ciclo, pois o nosso período na terra é breve, uma vez que não compartilhamos o mesmo tempo de uma estrela.

Psicologicamente enfrentamos a “presença” da morte com alguns mecanismos como a negação, repressão, intelectualização, deslocamento, que nos protegem da ansiedade e do medo da morte. Esse medo é uma resposta universal que atinge a todos os humanos, uma vez que pensar na morte, seja na própria morte, ou de outro, pode originar sentimentos tais como: de ausência, ansiedade, medo, separação, abandono, a consciência de seu próprio fim, e como ocorrerá. Pode estar acompanhado do medo do sofrimento e da indignidade da desintegração, medo do julgamento e do castigo divino, aliados a sensação de impotência.

Quantas vezes partimos? Vivemos a custa de pequenas e sucessivas partidas, pequenas mortes e outros pequenos nascimentos, são ciclos. A cada opção realizada, vivemos para ela e morremos para as alternativas propostas. Exemplifico: algumas pessoas optam por se casar então cessam para o estado de solteiros e devem nascer para a vida de um amor adulto e comprometido; ou então a moça que escolhe gestar, extingue-se a menina e desabrocha a mulher num amor com caráter oblativo, o amor da mãe.

A criança por sua vez, entende a morte como algo reversível, como a dos atores de seus desenhos animados, mas aos poucos esse pensamento mágico, vai se modificando ao entrar em contato com a concretude de acontecimentos diários e vai elaborando seus pequenos lutos, como o de seu corpinho em transformação; o amiguinho que mudou; o seu animalzinho “escapuliu”; ter que deixar seu lugar para o novo bebê; sobreviver à separação do casal de pais que traz consigo a angustia do desamparo. Permitir que a criança se expresse, que fale do que lhe acontece pode favorecer na reorganização de seu espaço emocional em relação aos pequenos pedaços que lhe foram tomados, e nesses passos segue para a adolescência, quando a vida lhe revela a independência física, e a liberdade em roupagens multicoloridas. Com a aquisição de conhecimentos, as mudanças corporais, os pensamentos infantis do faz-de-conta sendo deixados de lado, o jovem desperta desafiador rompendo barreiras, impetuoso ao experimentar novos prazeres, na busca de ultrapassar os limites e configurar a nova identidade.

Experimentar é a nova palavra de ordem, onde a onipotência não dá espaço para a morte, que só pode acontecer para o outro e ele reconhece ser definitiva. Neste caminhar ele conviveu com perda de amigos por overdose, acidentes, doenças, mas seu pensamento é de que o outro foi incompetente, e que ele não vai morrer, o que representa o desejo da imortalidade. Transposta a adolescência o adulto que emerge, envolvido com as responsabilidades, menos afoito que o adolescente, estabelece outras relações com a morte, mas continuando a mante-la distante, embora comece a perceber que os seus limites físicos vão se configurando mais expressivos, e a maturidade revela outras facetas da vida que vai se aproximando de seu termo.

Por fim, a velhice delineia concreta e claramente a nossa finitude, através das perdas corporais, às vezes separação dos familiares, e outras tantas dores, mas para que lado olhamos, para a vida ou para a morte, pois não só se morre por estar velho, e só morre o que já viveu, onde vida e morte são companheiras inseparáveis, e, como diz Kenko Urabe: “A hora da morte não espera sua vez. Ela não vem necessariamente de frente, pode estar planejando o seu ataque por trás. Todo mundo sabe da morte, mas ela chega inesperadamente, quando as pessoas sentem que ainda têm tempo, que a morte não é iminente.”.


* Maria Júlia Kovács Professora Associada, Departamento de Psicologia da Aprendizagem do Desenvolvimento e da Personalidade, USP